Assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990.
Aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 23 de Agosto
Diário da República nº 193, Série I-A, Págs. 4370 a 4388
A presente versão contempla todas as alterações aprovadas pela Rectificação n.º 19/91 de 7 de Novembro.
Não dispensa a consulta do Diário da República.
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA
sábado, 6 de fevereiro de 2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Os Pais, a Escola e a TV
O objecto da Pedagogia do Ócio e dos Tempos Livres está cada vez mais alargado. Não passa apenas por actividades especificamente dirigidas ao ócio como colónias de férias, brinquedotecas, oficinas e parques infantis, etc. A televisão também é sua parte integrante embora de forma não-específica. Isto é, enquanto as primeiras actividades têm um objectivo projectado directamente para o ócio, a televisão, inserida no âmbito dos meios de comunicação de massa, pode não estar especificamente dirigida para essa função. Pode ter objectivos económicos/comerciais ou apenas de entretenimento/lazer. A escola e a família são também meios não-específicos para o ócio, mas que podem e devem ajudar a proporcioná-lo.
Tradicionalmente, a escola está vocacionada para instruir as crianças para a vida futura, para o mundo do trabalho. É um espaço onde não há lugar para o ócio. Isso não significa, no entanto, que não se realizem trabalhos ou tarefas destinadas a promovê-lo através da liberdade de escolha, da colaboração, da criatividade, etc. Sendo a série “Morangos com Açúcar” parte integrante da realidade das crianças, não faz sentido ficar à margem do âmbito escolar. Segundo Puig e Trilla (2004) “a escola, mesmo que não possa gerar situações de ócio (…) pode permitir que se manifestem sinais subjectivos e pessoais de liberdade e autosatisfação que, em parte, definem o ócio”.
No que diz respeito ao ócio e à ocupação dos tempos livres, a família tem um papel importante. Em primeiro lugar não deve impor tarefas ou actividades destinadas a ocupar o tempo livre das crianças. Devem ser estas, sempre dentro das responsabilidades dos pais enquanto tal, a fazer uso da liberdade de escolha para seleccionar que actividades pretendem realizar. Aos pais cabe a tarefa de orientar as crianças para uma boa gestão e organização dos tempos livres. Se as crianças gostam de ver os “Morangos com Açúcar”, embora os adultos pareçam preocupados com as mensagens transmitidas às crianças sobre vários assuntos (Pereira, 2006), os pais podem ajudar a clarificar o significado dessas mensagens, ouvir o que as crianças têm para dizer, falar sobre o que a criança demonstra ter um maior interesse para si… Fazer do visionamento da série televisiva uma forma mais positiva de ócio. Em segundo lugar, com esta nova prática de diálogo, os laços familiares ficam mais fortalecidos e as crianças desenvolvem novas capacidades comunicativas. Por último, ajuda a desenvolver as suas capacidades cognitivas – raciocínio, espírito crítico, discernimento.
Os meios de comunicação de massa, em especial a televisão, são parte integrante do quotidiano de qualquer pessoa, inclusive das crianças. O ócio proporcionado pela televisão tem um carácter ambíguo: o ócio é positivo ou negativo consoante a qualidade intrínseca do programa, do contexto em que é recebido e da forma como a mensagem difundida é acolhida (Puig e Trilla, 2004). Neste sentido, a série “Morangos com Açúcar”, que entra no quotidiano das crianças de forma intensiva e ostensiva, é um programa que apesar de não ter um grande valor pedagógico por si só para as crianças, pode ser complementado e orientado pelos adultos para que o seu conteúdo seja apreendido de forma, então sim, pedagógica.
A escola e a televisão constituem hoje em dia uma antítese. Muitos são os professores que consideram que o tempo livre das crianças é de tal forma preenchido a ver televisão que não será benéfico levar assuntos relacionados com conteúdos televisivos para a sala de aula. Existe cada vez mais a “(…) necessidade de a escola ensinar a assistir à televisão, uma vez que para ser uma instância verdadeiramente educativa ela tem a obrigação de ajudar as novas gerações a interpretar os símbolos de sua cultura, de prepará-las para realizarem, de forma crítica, aquela actividade à qual dedicam a maior parte do seu tempo, como é ver televisão” Joan Ferrés cit. por Mello, 2004). É verdade que a televisão exerce uma influência poderosa nas crianças mas, por isso mesmo, pelo facto de as crianças serem cada vez mais telespectadores, os meios de comunicação de massas deveriam integrar no currículo escolar, ainda que de forma indirecta, uma pedagogia do ócio, ou seja, poderá não passar pela existência de uma disciplina específica direccionada para a educação para o ócio, mas fazer parte de projectos relacionados com algumas disciplinas. Por exemplo, falar de acontecimentos que tiveram lugar num qualquer episódio dos “Morangos com Açúcar” é uma forma de promover a discussão e a colaboração entre pares, troca de ideias, debate, etc. Assim, o professor poderia intervir de forma subtil para orientar os seus alunos para a clarificação dos valores, muitas vezes banalizados, apresentados e representados pelos actores da série em questão. “Se as instituições educativas não acompanham as mudanças ocorridas no mundo da informação e da comunicação, acentua-se essa desfasagem entre a educação e os processos de transmissão de informação e de cultura” (Mello, 1998). Uma das formas mais eficazes de as crianças compreenderem melhor os conteúdos televisivos e de como funciona a televisão é, no âmbito escolar, desenvolverem elas próprias, naturalmente com a ajuda do professor, produções audiovisuais. Ao terem noção de como as coisas funcionam, mais facilmente adquirem discernimento e capacidade de análise crítica face aos conteúdos que a televisão oferece e às mensagens por esse medium veiculadas.
No caso concreto da série televisiva “Morangos com Açúcar”, esta poderia estar mais vocacionada para o verdadeiro ócio se as crianças tivessem oportunidade de esclarecer as suas dúvidas ou apenas de falarem sobre o que assistiram com os pais ou até no âmbito da escola com os professores através de troca de ideias, de debate, de discussão, de análise crítica dos conteúdos do programa. O objectivo? Descodificar as mensagens que são transmitidas e acolhidas pelas crianças: “(…)conteúdos ligados principalmente às relações de amizade e de namoro bem como à sexualidade e à droga” (Pereira, 2006:1) apresentados de forma superficial e banal. Tal não acontece, como é referido no estudo realizado através de um questionário a crianças do 1º ciclo do ensino básico de concelho de Braga, entre os 6 e os 10 anos (Pereira, 2006). Assistir a este programa televisivo sem a mediação de um adulto pode promover um ócio negativo, desprovido de significado e de valores, que apela à passividade enquanto espectador sem grande sentido crítico, podendo mesmo ser um impedimento à criatividade e à liberdade individual. Assim, “as experiências directas são substituídas pelas experiências mediatizadas” (Bruner e Olson, 1973 cit. por Puig e Trilla, 2004:132). É de extrema importância dotar os sistemas educativos de uma educação para o ócio de forma a tornar os telespectadores, neste caso as crianças, mais críticos ao mesmo tempo que criam “hábitos televisivos selectivos” (Pereira, 2006) e a conhecer outras alternativas, não só no que diz respeito a programas televisivos mas também a outro tipo de actividades que não têm necessariamente que passar pelos meios de comunicação de massas.
As crianças beneficiariam igualmente se houvesse uma relação estreita entre a escola e o meio familiar. Se os pais estivessem também mais informados e esclarecidos em relação aos conteúdos televisivos, em conjunto com uma pedagogização no âmbito escolar, seria muito mais fácil, para crianças e adultos, desenvolverem uma perspectiva mais crítica de selecção e da experiência vivenciada através de programas televisivos. No fundo, a escola serviria de intermediária na informação aos pais e na formação das crianças relativamente a este aspecto. A parceria entre a família e a escola é fundamental na formação das crianças. Assim, pais e crianças teriam uma maior facilidade em escolher criticamente programas adequados à realização do ócio. Afinal, nos dias de hoje, acontece não raras vezes que a televisão é o meio de comunicação quase exclusivo das famílias. Os próprios pais também precisam de ser “educados” para que todos beneficiem da televisão de forma saudável e pedagógica. A televisão tem uma grande influência na formação da personalidade das crianças. Pais e escola, de forma subtil e não agressiva, podem ajudar a colmatar aspectos relacionados com o impacto nem sempre positivo nas crianças da série “Morangos com Açúcar”, assim como outros programas televisivos, de forma a influenciar positivamente a integração de valores com carácter verdadeiramente ético como por exemplo a solidariedade, o respeito pelos outros, aceitação e valorização das diferenças que a todos nos caracterizam, justiça e responsabilidade social… Família, escola e televisão não se devem opor mas sim complementarem-se de forma a tornar o processo de aprendizagem mais motivador para as crianças da sociedade tecnológica (Allodi, 1998).
Bibliografia:
Allodi, Patrícia (1998). Linguagem, Televisão,Escola e Família, Monografia de Conclusão do Curso de Especialização em Linguagem (Orientadora: Mirian Goldenberg), CEFAC – Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica – Linguagem: São Paulo. Disponível em http://www.cefac.br/library/teses/c416079f96059cb0f8664a41516c866b.pdf acedido em 9 de Dezembro de 2009.
Mello, Elson (2004). Os caminhos cruzados da escola e a televisão, Trabalho apresentado ao NP-Comunicação educativa, do XXVII Congresso Brasileiro de Ciências de Comunicação: Porto Alegre. Disponível em http://www.elsonrezende.hpg.ig.com.br/comunica/cruzado.htm acedido em 8 de Dezembro de 2009.
Pereira, Sara (2006). Os “Morangos com Açúcar” têm lugar na escola?” – A Página da Educação, nº153, Ano 15, Fevereiro, p.2, disponível em http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=153&doc=11326&mid=2 acedido em 12 Outubro de 2009.
Puig, Josep & Trilla, Jaume (2004). A Pedagogia do Ócio, Artmed: Porto Alegre.
Ócio, Tempos Livres e Lazer
Ao longo dos tempos, a definição de ócio e de tempo livre sofreu transformações constantes. Nos dias de hoje, o significado destes dois conceitos não é ainda unânime levantando, não raras vezes, questões de concordância multidisciplinar entre investigadores e interessados sobre o tema. Ócio e tempo livre são muitas vezes entendidos como um e o mesmo conceito, o que não é, de todo, verdade.

É aqui que o papel a desempenhar pela escola é primordial. A escola deveria dar um sentido pedagógico ao tempo do ócio e não apenas formar pessoas para o mundo do trabalho. Ora, sendo o ócio uma parte integrante da vida de qualquer indivíduo, “a escola deveria formar também para o ócio futuro” (Puig e Trilla, 2004:40). Só assim, orientado para a utilização adequada do tempo de ócio, o indivíduo se poderá transformar numa pessoa equilibrada (Aquino e Martins, 2007). Segundo Russell (cit. por Aquino e Martins), a Educação apresenta um carácter meramente utilitário que não tem em conta os desejos pessoais dos indivíduos, apenas lhes dá formação a nível profissional. Estes ocuparão o tempo livre com actividades desprovidas de sentido e em grande parte impessoais. A escola e a educação constituem uma mais-valia para fomentar o discernimento e a análise crítica dos indivíduos face às actividades de ócio que realizam ou pretendem realizar no futuro. É muito importante conhecer as opções existentes. Muitas vezes as actividades de ócio são passivas e extremamente limitadas, apenas porque as pessoas não conhecem as opções. Se a escola der formação, se educar neste sentido, as opções de escolha para a realização de actividades serão muito mais alargadas, aliadas à capacidade de análise crítica dos próprios indivíduos. Em suma, o facto de a escola educar principalmente para a profissionalização destrói, em parte, a criatividade e a liberdade de cada um.
Existe ainda um outro conceito, ainda não abordado, que se mistura com os significados de ócio e de tempo livre: o lazer. Embora possa causar alguma confusão inicial, estes três termos (ócio, lazer e tempo livre) distinguem-se entre si. Passarei de seguida a clarificar cada um dos conceitos de forma a serem perceptíveis as diferenças que os caracterizam.
Para realizar uma qualquer actividade de ócio é sempre necessário dispor de tempo livre. Ou seja, o ócio requer tempo que não seja ocupado pela actividade profissional ou qualquer outra obrigação (obrigações paraprofissionais, obrigações familiares e outras). O ócio é caracterizado pela autonomia do indivíduo, pela liberdade de escolha e pelo prazer pessoal durante o decorrer de uma actividade (ainda que a actividade seja realizada em grupo e/ou tenha uma finalidade colectiva). É a satisfação de desejos e necessidades pessoais, é a forma de viver e desfrutar livremente do tempo livre que “(…) implica expressão livre e criativa do actor durante toda a actividade escolhida” (Puig e Trilla, 2004:46) de forma a contribuir para o aumento da auto-estima e do bem-estar.
As diferenças entre ócio e lazer não são tão claras, pois o lazer também pressupõe a ocupação dos tempos livres escolhendo e realizando actividades de livre vontade. Mas enquanto o lazer está mais associado a funções de entretenimento, diversão, ou até de repouso, o ócio procura atingir um bem maior, de pura libertação do corpo e da mente, de realização pessoal não tanto ligado ao social (como o lazer) mas mais relacionado com o modo de vida de cada indivíduo e o prazer decorrente das experiências vivenciadas. (Aquino e Martins, 2007). À realização de actividades de lazer poderá estar associado o prazer da experiência ociosa. A diferenciação entre lazer e ócio é muito ténue prendendo-se mais com o verdadeiro sentido da experiência que obtemos a partir de cada um deles. Podemos afirmar que o lazer está mais relacionado com a tarefa em si e o ócio mais associado ao prazer e à satisfação decorrentes da realização dessa mesma tarefa. É através do tempo dedicado ao ócio que o indivíduo consegue desenvolver um restabelecimento psicológico e um equilíbrio físico, mental e emocional, aquilo a que normalmente nos referimos no dia-a-dia por “recarregar baterias”.
Em relação ao tempo livre, é um tempo durante o qual não existe qualquer ocupação, actividade ou tarefa; é uma determinada quantidade de tempo desprovida de qualquer obrigação em que o indivíduo pode decidir livremente o que pretende fazer. É através do tempo livre que se realizam actividades de ócio e de lazer. Sem disponibilidade de tempo, tais actividades não se poderiam realizar. O tempo livre permite às pessoas serem livres e autónomas, decidirem o que pretendem e irão fazer, que actividades ou tarefas realizar. Tempo livre corresponde também a um tempo de não-trabalho (quando a pessoa termina a sua jornada diária laboral), mas o tempo de não-trabalho não pode todo ele ser considerado tempo livre. Muitas tarefas de não-trabalho requerem algum tipo de obrigação como, por exemplo, as deslocações de e para o trabalho (designadas de obrigações paraprofissionais), obrigações familiares, religiosas ou políticas (Puig e Trilla, 2004). A pessoa já não está no seu local de trabalho, mas está obrigada a realizar outras tarefas como as atrás descritas. Por este motivo, durante qualquer tipo de obrigação (imposta ou voluntária) não existe efectivamente um tempo considerado livre ou de disponibilidade pessoal.
Chega-se, então, à conclusão que embora diferentes, ócio, lazer e tempo livre se encontram todos eles intimamente relacionados uns com os outros, não apenas em termos de significação, mas também no que à realidade social, cultural, educacional, económica e pessoal diz respeito. É de uma importância vital para o equilíbrio da nossa sociedade que a educação comece a abranger de igual forma a formação para o trabalho e a formação para o ócio, uma vez que a vida é composta pelos dois, para que facilmente se encontre um ponto de equilíbrio e de bem-estar. A Pedagogia do Ócio e dos Tempos Livres irá, com certeza, continuar a estudar e a debruçar-se sobre a importância deste assunto que tanto se reflectiu ao longo dos tempos, se reflecte e continuará a reflectir-se nas nossas vidas e no nosso quotidiano.
Bibliografia:
Aquino, Cássio & Martins, José (2007), Ócio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho, Revista Mal-Estar e Subjetividade – Vol. VII – Nº 2 – p. 479-500 – Fortaleza.
Puig, Josep Mª & Trilla, Jaume (2004), A Pedagogia do Ócio, Porto Alegre: Artmed Editora.
Subscrever:
Mensagens (Atom)