domingo, 24 de outubro de 2010

A Importância do Discurso em contextos de EaD


Uma das principais tarefas do professor online é facilitar o discurso entre todos os membros da comunidade de aprendizagem. Baseado em teorias construtivistas, o discurso é um poderoso meio de efectivação e integração das aprendizagens e de desenvolvimento do pensamento crítico.

O professor deverá ter uma presença constante que permita responder, ajudar, clarificar, enfim, apoiar os estudantes a compreenderem determinados aspectos que poderão suscitar dúvidas. Assim, não só o estudante individual se desenvolve cognitivamente como também se apoia a consolidação da comunidade de aprendizagem como um todo.

A comunidade electrónica de aprendizagem deverá possuir um forte sentimento de segurança e de confiança, sentimentos estes que em grande parte derivam da actuação e da preocupação do professor em ultrapassá-los. Uma forma de reforçar estes sentimentos é o professor criar espaços próprios para que os alunos falem um pouco sobre si próprios.

Acontece muitas vezes em cursos online, que a dependência excessiva dos alunos em relação ao professor, torna a aprendizagem aborrecida e pouco estimulante. Em vez disso, parece ser positivo e criar níveis mais elevados de motivação e de satisfação junto dos estudantes, quando existem nos grupos de discussão alunos moderadores da mesma (Rourke & Anderson, 2002 cit. por Anderson, 2004). Contudo, como os alunos não possuem competências de nível superior para moderar discussões, a intervenção do professor é especialmente útil nas primeiras intervenções.

É preciso não esquecer que a dependência que os formandos mostram ter em muitas situações em relação ao professor advém do facto da formação anterior se ter desenvolvido em contextos tradicionais de aprendizagem, baseados em teorias behavioristas. A adaptação a novos ambientes de aprendizagem, nomeadamente em EaD, apresenta algumas dificuldades em especial no que respeita à utilização das novas tecnologias, mas que uma vez ultrapassadas em nada interferem com as aprendizagens desenvolvidas e com as competências de comunicação necessárias para a construção dessas aprendizagens. Muito pelo contrário! As NTIC podem ser grandes potencializadoras do diálogo e da construção de verdadeiras comunidades de aprendizagens, desde que correctamente utilizadas e exploradas.

Bibliografia:

Anderson, Terry (2004). Teaching in an Online Context. In Terry Anderson & Fathi Elloumi (Eds.) - Theory and Practice of Online Learning. Athabasca University, 2004. Disponível em http://cde.athabascau.ca/online_book/ acedido em 25 de Abril de 2010.

A Presença do Professor Online

A concepção e a construção de um curso online, das as actividades que o integram e o planeamento da avaliação constituem o primeiro momento para que o professor comece a estabelecer a sua presença de ensino.

Através da negociação de tarefas ou de conteúdos entre professor e alunos, permite satisfazer as necessidades individuais de aprendizagem que caracterizam cada estudante em particular. No entanto, é sempre necessário que o professor motive, oriente e apoie a aprendizagem de forma personalizada. É de uma importância extrema que os alunos se apercebam não só das competências e conhecimentos que o professor detém numa área específica, mas que se apercebam também do seu entusiasmo e da sua motivação pessoal.

Salmon propõe um modelo para o professor online. Este processo inicia-se quando o professor motiva os seus alunos normalmente ajudando a resolver questões técnicas ou sociais e propondo que os alunos falem um pouco sobre si próprios. O processo de socialização deve desenvolver-se através da "construção de pontes entre os ambientes culturais, sociais e de aprendizagem (Salmon, 2000:26 cit. por Anderson, 2004). O professor deverá promover a aprendizagem através da moderação de discussões entre alunos e intervir quando lhe parecer necessário, por exemplo, quando os alunos têm percepções contrárias ao que é esperado. Através do trabalho individual ou colectivo, os alunos constroem o seu conhecimento elaborando artefactos ou projectos que os ajudem nessa tarefa de aprendizagem. Na fase de desenvolvimento, os alunos são autónomos e responsáveis pela sua própria aprendizagem.

O modelo de Salmon é um instrumento útil para ajudar os professores a planificar as actividades e os conteúdos de um curso online. Não é, no entanto, um instrumento inflexível. Este pode, e deve, ser ajustado às necessidades e às competências particulares de cada comunidade virtual de aprendizagem em particular. De outra forma as aprendizagens não fariam grande sentido para os formandos. É sempre necessário adequar as aprendizagens às necessidades e às competências já desenvolvidas pelos alunos para que estas façam sentido no contexto individual de cada um, mas que sejam aplicáveis e façam todo o sentido em todas as dimensões da sociedade (política, económica, social, cultural...) na qual os alunos estão inseridos. Este será, talvez, o primeiro passo a dar para motivar os alunos na construção das suas próprias aprendizagens.

Bibliografia:

Anderson, Terry (2004). Teaching in an Online Context. In Terry Anderson & Fathi Elloumi (Eds.) - Theory and Practice of Online Learning. Athabasca University, 2004. Disponível em http://cde.athabascau.ca/online_book/ acedido em 25 de Abril de 2010.

Comunicação, Cooperação e Colaboração


Sabemos hoje que a comunicação é essencial para a construção do conhecimento, especialmente a comunicação através do diálogo, da negociação ou de discussões entre pares, mas também entre alunos e o professor. A aprendizagem perspectivada como um processo social (Vigotsky, 1978) ajuda a promover o desenvolvimento de competências sócio-cognitivas, cada vez mais valorizadas na nossa sociedade, através do que o autor designa por Zona de Desenvolvimento Proximal, ou seja, a possibilidade de um indivíduo beneficiar com a capacidade de outro indivíduo (colega ou professor) que esteja num patamar de desenvolvimento cognitivo mais elevado. A utilização de várias ferramentas disponíveis na Internet também possibilitam este este processo de comunicação através de salas de conversação, de ligações telefónicas, de videoconferência entre tantas outras.

Cooperação e colaboração são dois conceitos muitas vezes confundidos. Embora os seus significados sejam muito semelhantes existem diferenças que os caracterizam. De acordo com Henri e Rigault (1996), as abordagens cooperativas são aquelas desenvolvidas no seio de um grupo, cujas actividades ou tarefas são desenvolvidas e realizadas por cada elemento do grupo individualmente enquanto que, e a diferença reside aqui, em abordagens colaborativas as actividades são realizadas em conjunto pelos menbros do grupo utilizando-se (e desenvolvendo-se) competências de comunicação. Por este motivo, é imprescíndivel que o professor oriente o trabalho dos alunos para se tirar partido ao máximo da interactividade entre pares, implicando a negociação das aprendizagens e a responsabilização das actividades desenvolvidas.

 
Nas mais recentes abordagens educativas, tem-se vindo a defender cada vez mais a teoria do construtivismo social que permite aos alunos construir o seu conhecimento de uma forma activa. Pretende-se que estes modelos de aprendizagem se centrem na comunidade de aprendizagem deixando para trás a transmissão de conhecimentos veiculados do professor para os alunos que não permitia uma verdadeira apropriação do conhecimento. Assim, através da aplicação de abordagens construtivistas, o aluno pode relacionar os conhecimentos que construiu e as competências que adquiriu e desenvolveu com as suas próprias experiências e com a visão que tem do mundo. Isto significa que os conhecimentos que constrói não são desprovidos de conteúdo ou de significado, mas que estão de acordo com a realidade que o rodeia. As abordagens construtivistas sociais apoiam-se fortemente na promoção do diálogo e de discussões, assim como da negociação das aprendizagens. A troca de ideias é fundamental para a construção do pensamento de nível superior.

Bibliografia:

Carvalho, Ana Amélia Amorim (2007). Rentabilizar a Internet no Ensino Básico e Secundário: dos Recursos e Ferramentas Online aos LMS. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, p. 31. Consultado em Junho de 2010 em http://sisifo.fpce.ul.pt/

sábado, 6 de fevereiro de 2010

ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990.


Aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 23 de Agosto

Diário da República nº 193, Série I-A, Págs. 4370 a 4388

A presente versão contempla todas as alterações aprovadas pela Rectificação n.º 19/91 de 7 de Novembro.

Não dispensa a consulta do Diário da República.
 
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Os Pais, a Escola e a TV

O objecto da Pedagogia do Ócio e dos Tempos Livres está cada vez mais alargado. Não passa apenas por actividades especificamente dirigidas ao ócio como colónias de férias, brinquedotecas, oficinas e parques infantis, etc. A televisão também é sua parte integrante embora de forma não-específica. Isto é, enquanto as primeiras actividades têm um objectivo projectado directamente para o ócio, a televisão, inserida no âmbito dos meios de comunicação de massa, pode não estar especificamente dirigida para essa função. Pode ter objectivos económicos/comerciais ou apenas de entretenimento/lazer. A escola e a família são também meios não-específicos para o ócio, mas que podem e devem ajudar a proporcioná-lo.

Tradicionalmente, a escola está vocacionada para instruir as crianças para a vida futura, para o mundo do trabalho. É um espaço onde não há lugar para o ócio. Isso não significa, no entanto, que não se realizem trabalhos ou tarefas destinadas a promovê-lo através da liberdade de escolha, da colaboração, da criatividade, etc. Sendo a série “Morangos com Açúcar” parte integrante da realidade das crianças, não faz sentido ficar à margem do âmbito escolar. Segundo Puig e Trilla (2004) “a escola, mesmo que não possa gerar situações de ócio (…) pode permitir que se manifestem sinais subjectivos e pessoais de liberdade e autosatisfação que, em parte, definem o ócio”.

No que diz respeito ao ócio e à ocupação dos tempos livres, a família tem um papel importante. Em primeiro lugar não deve impor tarefas ou actividades destinadas a ocupar o tempo livre das crianças. Devem ser estas, sempre dentro das responsabilidades dos pais enquanto tal, a fazer uso da liberdade de escolha para seleccionar que actividades pretendem realizar. Aos pais cabe a tarefa de orientar as crianças para uma boa gestão e organização dos tempos livres. Se as crianças gostam de ver os “Morangos com Açúcar”, embora os adultos pareçam preocupados com as mensagens transmitidas às crianças sobre vários assuntos (Pereira, 2006), os pais podem ajudar a clarificar o significado dessas mensagens, ouvir o que as crianças têm para dizer, falar sobre o que a criança demonstra ter um maior interesse para si… Fazer do visionamento da série televisiva uma forma mais positiva de ócio. Em segundo lugar, com esta nova prática de diálogo, os laços familiares ficam mais fortalecidos e as crianças desenvolvem novas capacidades comunicativas. Por último, ajuda a desenvolver as suas capacidades cognitivas – raciocínio, espírito crítico, discernimento.

Os meios de comunicação de massa, em especial a televisão, são parte integrante do quotidiano de qualquer pessoa, inclusive das crianças. O ócio proporcionado pela televisão tem um carácter ambíguo: o ócio é positivo ou negativo consoante a qualidade intrínseca do programa, do contexto em que é recebido e da forma como a mensagem difundida é acolhida (Puig e Trilla, 2004). Neste sentido, a série “Morangos com Açúcar”, que entra no quotidiano das crianças de forma intensiva e ostensiva, é um programa que apesar de não ter um grande valor pedagógico por si só para as crianças, pode ser complementado e orientado pelos adultos para que o seu conteúdo seja apreendido de forma, então sim, pedagógica.

A escola e a televisão constituem hoje em dia uma antítese. Muitos são os professores que consideram que o tempo livre das crianças é de tal forma preenchido a ver televisão que não será benéfico levar assuntos relacionados com conteúdos televisivos para a sala de aula. Existe cada vez mais a “(…) necessidade de a escola ensinar a assistir à televisão, uma vez que para ser uma instância verdadeiramente educativa ela tem a obrigação de ajudar as novas gerações a interpretar os símbolos de sua cultura, de prepará-las para realizarem, de forma crítica, aquela actividade à qual dedicam a maior parte do seu tempo, como é ver televisão” Joan Ferrés cit. por Mello, 2004). É verdade que a televisão exerce uma influência poderosa nas crianças mas, por isso mesmo, pelo facto de as crianças serem cada vez mais telespectadores, os meios de comunicação de massas deveriam integrar no currículo escolar, ainda que de forma indirecta, uma pedagogia do ócio, ou seja, poderá não passar pela existência de uma disciplina específica direccionada para a educação para o ócio, mas fazer parte de projectos relacionados com algumas disciplinas. Por exemplo, falar de acontecimentos que tiveram lugar num qualquer episódio dos “Morangos com Açúcar” é uma forma de promover a discussão e a colaboração entre pares, troca de ideias, debate, etc. Assim, o professor poderia intervir de forma subtil para orientar os seus alunos para a clarificação dos valores, muitas vezes banalizados, apresentados e representados pelos actores da série em questão. “Se as instituições educativas não acompanham as mudanças ocorridas no mundo da informação e da comunicação, acentua-se essa desfasagem entre a educação e os processos de transmissão de informação e de cultura” (Mello, 1998). Uma das formas mais eficazes de as crianças compreenderem melhor os conteúdos televisivos e de como funciona a televisão é, no âmbito escolar, desenvolverem elas próprias, naturalmente com a ajuda do professor, produções audiovisuais. Ao terem noção de como as coisas funcionam, mais facilmente adquirem discernimento e capacidade de análise crítica face aos conteúdos que a televisão oferece e às mensagens por esse medium veiculadas.

No caso concreto da série televisiva “Morangos com Açúcar”, esta poderia estar mais vocacionada para o verdadeiro ócio se as crianças tivessem oportunidade de esclarecer as suas dúvidas ou apenas de falarem sobre o que assistiram com os pais ou até no âmbito da escola com os professores através de troca de ideias, de debate, de discussão, de análise crítica dos conteúdos do programa. O objectivo? Descodificar as mensagens que são transmitidas e acolhidas pelas crianças: “(…)conteúdos ligados principalmente às relações de amizade e de namoro bem como à sexualidade e à droga” (Pereira, 2006:1) apresentados de forma superficial e banal. Tal não acontece, como é referido no estudo realizado através de um questionário a crianças do 1º ciclo do ensino básico de concelho de Braga, entre os 6 e os 10 anos (Pereira, 2006). Assistir a este programa televisivo sem a mediação de um adulto pode promover um ócio negativo, desprovido de significado e de valores, que apela à passividade enquanto espectador sem grande sentido crítico, podendo mesmo ser um impedimento à criatividade e à liberdade individual. Assim, “as experiências directas são substituídas pelas experiências mediatizadas” (Bruner e Olson, 1973 cit. por Puig e Trilla, 2004:132). É de extrema importância dotar os sistemas educativos de uma educação para o ócio de forma a tornar os telespectadores, neste caso as crianças, mais críticos ao mesmo tempo que criam “hábitos televisivos selectivos” (Pereira, 2006) e a conhecer outras alternativas, não só no que diz respeito a programas televisivos mas também a outro tipo de actividades que não têm necessariamente que passar pelos meios de comunicação de massas.

As crianças beneficiariam igualmente se houvesse uma relação estreita entre a escola e o meio familiar. Se os pais estivessem também mais informados e esclarecidos em relação aos conteúdos televisivos, em conjunto com uma pedagogização no âmbito escolar, seria muito mais fácil, para crianças e adultos, desenvolverem uma perspectiva mais crítica de selecção e da experiência vivenciada através de programas televisivos. No fundo, a escola serviria de intermediária na informação aos pais e na formação das crianças relativamente a este aspecto. A parceria entre a família e a escola é fundamental na formação das crianças. Assim, pais e crianças teriam uma maior facilidade em escolher criticamente programas adequados à realização do ócio. Afinal, nos dias de hoje, acontece não raras vezes que a televisão é o meio de comunicação quase exclusivo das famílias. Os próprios pais também precisam de ser “educados” para que todos beneficiem da televisão de forma saudável e pedagógica. A televisão tem uma grande influência na formação da personalidade das crianças. Pais e escola, de forma subtil e não agressiva, podem ajudar a colmatar aspectos relacionados com o impacto nem sempre positivo nas crianças da série “Morangos com Açúcar”, assim como outros programas televisivos, de forma a influenciar positivamente a integração de valores com carácter verdadeiramente ético como por exemplo a solidariedade, o respeito pelos outros, aceitação e valorização das diferenças que a todos nos caracterizam, justiça e responsabilidade social… Família, escola e televisão não se devem opor mas sim complementarem-se de forma a tornar o processo de aprendizagem mais motivador para as crianças da sociedade tecnológica (Allodi, 1998).



Bibliografia:

Allodi, Patrícia (1998). Linguagem, Televisão,Escola e Família, Monografia de Conclusão do Curso de Especialização em Linguagem (Orientadora: Mirian Goldenberg), CEFAC – Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica – Linguagem: São Paulo. Disponível em http://www.cefac.br/library/teses/c416079f96059cb0f8664a41516c866b.pdf acedido em 9 de Dezembro de 2009.



Mello, Elson (2004). Os caminhos cruzados da escola e a televisão, Trabalho apresentado ao NP-Comunicação educativa, do XXVII Congresso Brasileiro de Ciências de Comunicação: Porto Alegre. Disponível em http://www.elsonrezende.hpg.ig.com.br/comunica/cruzado.htm acedido em 8 de Dezembro de 2009.



Pereira, Sara (2006). Os “Morangos com Açúcar” têm lugar na escola?” – A Página da Educação, nº153, Ano 15, Fevereiro, p.2, disponível em http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=153&doc=11326&mid=2 acedido em 12 Outubro de 2009.



Puig, Josep & Trilla, Jaume (2004). A Pedagogia do Ócio, Artmed: Porto Alegre.

Ócio, Tempos Livres e Lazer

Ao longo dos tempos, a definição de ócio e de tempo livre sofreu transformações constantes. Nos dias de hoje, o significado destes dois conceitos não é ainda unânime levantando, não raras vezes, questões de concordância multidisciplinar entre investigadores e interessados sobre o tema. Ócio e tempo livre são muitas vezes entendidos como um e o mesmo conceito, o que não é, de todo, verdade.

O objecto de estudo da Pedagogia do Ócio e dos Tempos Livres é, não só a clarificação dos conceitos de ócio e de tempo livre e a sua relação epistemológica, como também a sua implementação na realidade social, cultural, educacional que a todos os seres humanos diz respeito. Isto significa que existe uma preocupação pedagógica em enquadrar as actividades respeitantes ao ócio e aos tempos livres no seio da nossa sociedade de acordo com as diferenças socioculturais que a caracterizam para que essas actividades tenham verdadeiramente significado para quem as vive, a nível formativo e de desenvolvimento pessoal (o que não significa que as actividades não possam realizar-se em grupo). Com o desenvolvimento das indústrias de ócio, as actividades hoje são passivas e de carácter consumista. Nestes casos, não existe uma componente pedagógica, embora não deixem de ser actividades de ócio que, por conseguinte, dão prazer, se é isso que o indivíduo deseja realmente fazer – ver televisão ou andar às compras, por exemplo. Segundo Aquino e Martins (2007), este tipo de actividades consumistas acabam por deteriorar o ócio, coisificando-o e aniquilando o seu verdadeiro significado. Estabelece-se cada vez mais, e paradoxalmente, a falta de comunicação no seio familiar apesar de sermos parte integrante da sociedade caracterizada pelos meios de comunicação, que indiscutivelmente têm o seu valor de democratização informativa e a sua importância cultural e social.

É aqui que o papel a desempenhar pela escola é primordial. A escola deveria dar um sentido pedagógico ao tempo do ócio e não apenas formar pessoas para o mundo do trabalho. Ora, sendo o ócio uma parte integrante da vida de qualquer indivíduo, “a escola deveria formar também para o ócio futuro” (Puig e Trilla, 2004:40). Só assim, orientado para a utilização adequada do tempo de ócio, o indivíduo se poderá transformar numa pessoa equilibrada (Aquino e Martins, 2007). Segundo Russell (cit. por Aquino e Martins), a Educação apresenta um carácter meramente utilitário que não tem em conta os desejos pessoais dos indivíduos, apenas lhes dá formação a nível profissional. Estes ocuparão o tempo livre com actividades desprovidas de sentido e em grande parte impessoais. A escola e a educação constituem uma mais-valia para fomentar o discernimento e a análise crítica dos indivíduos face às actividades de ócio que realizam ou pretendem realizar no futuro. É muito importante conhecer as opções existentes. Muitas vezes as actividades de ócio são passivas e extremamente limitadas, apenas porque as pessoas não conhecem as opções. Se a escola der formação, se educar neste sentido, as opções de escolha para a realização de actividades serão muito mais alargadas, aliadas à capacidade de análise crítica dos próprios indivíduos. Em suma, o facto de a escola educar principalmente para a profissionalização destrói, em parte, a criatividade e a liberdade de cada um.

Existe ainda um outro conceito, ainda não abordado, que se mistura com os significados de ócio e de tempo livre: o lazer. Embora possa causar alguma confusão inicial, estes três termos (ócio, lazer e tempo livre) distinguem-se entre si. Passarei de seguida a clarificar cada um dos conceitos de forma a serem perceptíveis as diferenças que os caracterizam.

Para realizar uma qualquer actividade de ócio é sempre necessário dispor de tempo livre. Ou seja, o ócio requer tempo que não seja ocupado pela actividade profissional ou qualquer outra obrigação (obrigações paraprofissionais, obrigações familiares e outras). O ócio é caracterizado pela autonomia do indivíduo, pela liberdade de escolha e pelo prazer pessoal durante o decorrer de uma actividade (ainda que a actividade seja realizada em grupo e/ou tenha uma finalidade colectiva). É a satisfação de desejos e necessidades pessoais, é a forma de viver e desfrutar livremente do tempo livre que “(…) implica expressão livre e criativa do actor durante toda a actividade escolhida” (Puig e Trilla, 2004:46) de forma a contribuir para o aumento da auto-estima e do bem-estar.

As diferenças entre ócio e lazer não são tão claras, pois o lazer também pressupõe a ocupação dos tempos livres escolhendo e realizando actividades de livre vontade. Mas enquanto o lazer está mais associado a funções de entretenimento, diversão, ou até de repouso, o ócio procura atingir um bem maior, de pura libertação do corpo e da mente, de realização pessoal não tanto ligado ao social (como o lazer) mas mais relacionado com o modo de vida de cada indivíduo e o prazer decorrente das experiências vivenciadas. (Aquino e Martins, 2007). À realização de actividades de lazer poderá estar associado o prazer da experiência ociosa. A diferenciação entre lazer e ócio é muito ténue prendendo-se mais com o verdadeiro sentido da experiência que obtemos a partir de cada um deles. Podemos afirmar que o lazer está mais relacionado com a tarefa em si e o ócio mais associado ao prazer e à satisfação decorrentes da realização dessa mesma tarefa. É através do tempo dedicado ao ócio que o indivíduo consegue desenvolver um restabelecimento psicológico e um equilíbrio físico, mental e emocional, aquilo a que normalmente nos referimos no dia-a-dia por “recarregar baterias”.

Em relação ao tempo livre, é um tempo durante o qual não existe qualquer ocupação, actividade ou tarefa; é uma determinada quantidade de tempo desprovida de qualquer obrigação em que o indivíduo pode decidir livremente o que pretende fazer. É através do tempo livre que se realizam actividades de ócio e de lazer. Sem disponibilidade de tempo, tais actividades não se poderiam realizar. O tempo livre permite às pessoas serem livres e autónomas, decidirem o que pretendem e irão fazer, que actividades ou tarefas realizar. Tempo livre corresponde também a um tempo de não-trabalho (quando a pessoa termina a sua jornada diária laboral), mas o tempo de não-trabalho não pode todo ele ser considerado tempo livre. Muitas tarefas de não-trabalho requerem algum tipo de obrigação como, por exemplo, as deslocações de e para o trabalho (designadas de obrigações paraprofissionais), obrigações familiares, religiosas ou políticas (Puig e Trilla, 2004). A pessoa já não está no seu local de trabalho, mas está obrigada a realizar outras tarefas como as atrás descritas. Por este motivo, durante qualquer tipo de obrigação (imposta ou voluntária) não existe efectivamente um tempo considerado livre ou de disponibilidade pessoal.

Chega-se, então, à conclusão que embora diferentes, ócio, lazer e tempo livre se encontram todos eles intimamente relacionados uns com os outros, não apenas em termos de significação, mas também no que à realidade social, cultural, educacional, económica e pessoal diz respeito. É de uma importância vital para o equilíbrio da nossa sociedade que a educação comece a abranger de igual forma a formação para o trabalho e a formação para o ócio, uma vez que a vida é composta pelos dois, para que facilmente se encontre um ponto de equilíbrio e de bem-estar. A Pedagogia do Ócio e dos Tempos Livres irá, com certeza, continuar a estudar e a debruçar-se sobre a importância deste assunto que tanto se reflectiu ao longo dos tempos, se reflecte e continuará a reflectir-se nas nossas vidas e no nosso quotidiano.







Bibliografia:

Aquino, Cássio & Martins, José (2007), Ócio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho, Revista Mal-Estar e Subjetividade – Vol. VII – Nº 2 – p. 479-500 – Fortaleza.

Puig, Josep Mª & Trilla, Jaume (2004), A Pedagogia do Ócio, Porto Alegre: Artmed Editora.

domingo, 23 de agosto de 2009

Análise da relação pedagógica apresentada numa obra de ficção


A obra que vou analisar é o filme “Freedom Writers” (2007), traduzido para português com o título “Páginas de Liberdade”, realizado por Richard Lagravenese e produzido por Danny Devito nos Estúdios Paramount nos Estados Unidos da América. O filme é baseado em acontecimentos verídicos e conta a história da professora Erin Gruwell e a relação pedagógica que desenvolve com os seus alunos, acreditando sempre neles quando mais ninguém o fez.


O que esta professora conseguiu foi essencialmente fazer com que os seus alunos, jovens provenientes de bairros sociais degradados que cresceram no meio de violência e rivalidades raciais e culturais, aceitassem e compreendessem as suas diferenças. Estes jovens tinham já interiorizado os preconceitos das suas comunidades, não tendo sido fácil aceitarem as diferenças uns dos outros. Existia, no entanto, um outro tipo de preconceito: estes jovens eram estereotipados como incapazes, não aptos, anti-sociais, estavam inclusivamente integrados em salas de aula especiais para a sua “categoria”. Eram marginalizados pela sociedade e pela própria escola. Esta professora transmitiu-lhes conhecimentos teóricos e práticos, mas principalmente ajudou os seus alunos a ser. Ajudou a conhecer e a compreender o outro e, assim, conhecer-se também a si próprio. Não só a professora acreditou nos seus alunos, como estes passaram a acreditar em si próprios. Tal como afirmou Lao-Tse, citado por Patrício e Sebastião, 2004: « Quem conhece os outros é sábio. Quem se conhece a si próprio, é perfeito».


No filme, consegue perceber-se que a Prof.ª Erin Gruwell, papel interpretado por Hilary Swank, utilizou uma estratégia educativa de cooperação. Embora tenha sido bastante difícil implementar uma educação baseada na cooperação (e estou a referir-me à ficção porque a realidade deve ter sido, com toda a certeza, bastante mais complicada do que aquilo a que assistimos durante o filme) o objectivo pedagógico foi cumprido. «Ensinar é (…) ainda mais difícil do que aprender» (Martin Heidegger cit. Patrício & Sebastião, 2004:114). Para além destes jovens terem interiorizados valores democráticos como a solidariedade, a justiça social, a tolerância, a valorização das diferenças, etc., também, na maioria dos casos, foram os primeiros nas suas famílias a terminar o ensino secundário ou universitário. Estes jovens apenas viviam, mas não existiam. «Viver é um acontecimento biológico. Existir é um acontecimento metafísico e religioso» (Patrício & Sebastião, 2004:68). É importante perceber que estes jovens descobriram o caminho da realização plena, caminho esse que também vai ser mostrado às suas famílias, às suas comunidades, à própria sociedade. Estes jovens irão com certeza tornar o mundo um pouco melhor. «(…) gosto da vida, junto com a dignidade própria. Se não posso assegurá-las ambas, sacrifico a vida pela dignidade própria» (Mâncio cit. Patrício & Sebastião, 2004:79). É este o sentido da existência para o homem: conhecer e reger a sua existência segundo valores morais.


É também interessante verificar como a personagem Margaret Campbell, interpretada por Imelda Staunton, retrata a posição tradicionalista do ensino que ainda hoje está presente nas nossas escolas. Transmissão de conhecimentos, presunção de que todos aprendem da mesma maneira independentemente das características pessoais, das aptidões e capacidades, das dificuldades, … «A vantagem de um ensino nada atraente e da acção que não se impõe, raros são no mundo os que a alcançam» (Lao-Tse cit. Patrício & Sebastião, 2004:81).


Para além de ser, o homem tem de saber estar. Estar bem consigo próprio, estar bem com os outros, estar bem com o mundo. A acção é o que caracteriza o ser humano enquanto tal, o homem precisa de saber quem é, precisa de se conhecer. A acção é irreversível: o que está feito, feito está! Por isso, a acção também é perene. Tudo o que o homem faz afecta o cosmos, afecta a comunidade. Nada é desprovido de valor e de sentido. É desta forma que a acção da Prof.ª Erin Grunwell afectou o cosmos, com certeza inspirou muitas pessoas a utilizarem métodos e estratégias educativos e pedagógicos de tal forma que nos dias de hoje conhecemos a sua história (foi o meu caso) retratada num filme que percorreu todo o mundo. Afectou também a comunidade. Se não fosse ela, aqueles jovens provavelmente nunca teriam hipótese de conseguir saber ser e estar, de existir, de conhecer. Talvez outros tivessem oportunidade, mas não aqueles. Uma vez a acção efectuada torna-se irreversível. O seu efeito permanece enquanto perdurar a memória da acção, das suas consequências.


O professor deve dominar os conhecimentos necessários à formação do aluno. Embora durante um largo período de tempo se acreditasse que o domínio de determinados conhecimentos era o bastante para se ser professor, hoje sabe-se que não é assim. Um professor eficaz deve procurar interessar os alunos pela matéria que lecciona, mas acima de tudo o professor tem a responsabilidade de formar cidadãos activos e com discernimento (Delors, 1996). Ensinar e educar têm conotações diferentes. Ensinar é instruir, é dar a conhecer, é informar. Educar formar o ser humano e a sua personalidade, é ajudar o educando na procura do seu caminho e orientá-lo no seu percurso e prepará-lo para o mundo exterior. É de uma importância vital que o professor conheça os seus alunos, conheça as suas origens, conheça o seu ambiente socioeconómico, as suas capacidades, as suas aptidões, as suas dificuldades. O professor eficaz deve, então, ser dotado não só de sabedoria, de conhecimento empírico, didáctico, psicológico e social.


No filme, é notório que a Prof.ª Erin Grunwell (Hillary Swank) utiliza várias vezes o conhecimento empírico. Encontra vários exemplos históricos que os alunos não aprovam (como por exemplo o holocausto) nos quais os alunos se começam a rever. O ódio, o racismo, a violência, a frieza… Como se revêem neste tipo de sentimentos e acontecimentos os alunos começam a desenvolver a capacidade de comparar as duas realidades e compreender que se está a passar o mesmo com eles, embora de uma forma não tão significativa para o mundo, mas sim para as suas comunidades. Assim, começa a utilizar o conhecimento filosófico na formação dos seus alunos enquanto seres humanos. Incute neles, através de actividades cooperativas, o reconhecimento, a aceitação e a valorização das diferenças de cada um. Os alunos começam a formar novos valores. Sem dúvida nenhuma, que esta professora tem um conhecimento sapiencial capaz de orientar e ajudar os outros na procura de si próprios, desenvolve relações de união e de respeito entre os seus alunos e ela mesma, nunca desistindo embora enfrentando todas as contrariedades pessoais e profissionais que vão surgindo no seu dia-a-dia. O facto de ter uma série de empregos para proporcionar aos seus alunos tudo o que eles precisam para a sua realização plena, demonstra bem o seu altruísmo. Naturalmente, o conhecimento instintivo também está presente, quando por exemplo tenta por todos os meios continuar a leccionar os seus alunos até ao final do secundário. Não que não tenha confiança neles, mas quer protegê-los de uma educação tradicional, com pouco interesse e que acima de tudo marginaliza os jovens de meios desfavorecidos e de diferentes culturas. O conhecimento científico é também muito importante na formação dos jovens, proporcionando-lhes bases científico-tecnológicas para continuação dos estudos e integração profissional. Embora no filme este tipo de conhecimento não seja muito focado, está implícito.


O filme é espectacular e saber que se baseia numa história verídica é ainda mais fantástico. Fico a pensar como é magnífico haver pessoas no mundo capazes de lutar com palavras e acções de paz, contra tudo e contra todos, na defesa das suas convicções, não para se exibir, mas para ajudar o outro. «É assim que o Santo se conhece a si, mas não se exibe» (Lao-Tse cit. por Patrício & Sebastião, 2004:80).


Bibliografia:
Delors, Jacques. (1996). Educação Um Tesouro a Descobrir- Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI. São Paulo: Edições ASA/Cortez.
Patrício, Manuel & Sebastião, Luís Miguel (2004). Conhecimento do Mundo Social e da Vida – Passos para uma Pedagogia da Sageza. Lisboa: Universidade Aberta.