Ao longo dos tempos, a definição de ócio e de tempo livre sofreu transformações constantes. Nos dias de hoje, o significado destes dois conceitos não é ainda unânime levantando, não raras vezes, questões de concordância multidisciplinar entre investigadores e interessados sobre o tema. Ócio e tempo livre são muitas vezes entendidos como um e o mesmo conceito, o que não é, de todo, verdade.

É aqui que o papel a desempenhar pela escola é primordial. A escola deveria dar um sentido pedagógico ao tempo do ócio e não apenas formar pessoas para o mundo do trabalho. Ora, sendo o ócio uma parte integrante da vida de qualquer indivíduo, “a escola deveria formar também para o ócio futuro” (Puig e Trilla, 2004:40). Só assim, orientado para a utilização adequada do tempo de ócio, o indivíduo se poderá transformar numa pessoa equilibrada (Aquino e Martins, 2007). Segundo Russell (cit. por Aquino e Martins), a Educação apresenta um carácter meramente utilitário que não tem em conta os desejos pessoais dos indivíduos, apenas lhes dá formação a nível profissional. Estes ocuparão o tempo livre com actividades desprovidas de sentido e em grande parte impessoais. A escola e a educação constituem uma mais-valia para fomentar o discernimento e a análise crítica dos indivíduos face às actividades de ócio que realizam ou pretendem realizar no futuro. É muito importante conhecer as opções existentes. Muitas vezes as actividades de ócio são passivas e extremamente limitadas, apenas porque as pessoas não conhecem as opções. Se a escola der formação, se educar neste sentido, as opções de escolha para a realização de actividades serão muito mais alargadas, aliadas à capacidade de análise crítica dos próprios indivíduos. Em suma, o facto de a escola educar principalmente para a profissionalização destrói, em parte, a criatividade e a liberdade de cada um.
Existe ainda um outro conceito, ainda não abordado, que se mistura com os significados de ócio e de tempo livre: o lazer. Embora possa causar alguma confusão inicial, estes três termos (ócio, lazer e tempo livre) distinguem-se entre si. Passarei de seguida a clarificar cada um dos conceitos de forma a serem perceptíveis as diferenças que os caracterizam.
Para realizar uma qualquer actividade de ócio é sempre necessário dispor de tempo livre. Ou seja, o ócio requer tempo que não seja ocupado pela actividade profissional ou qualquer outra obrigação (obrigações paraprofissionais, obrigações familiares e outras). O ócio é caracterizado pela autonomia do indivíduo, pela liberdade de escolha e pelo prazer pessoal durante o decorrer de uma actividade (ainda que a actividade seja realizada em grupo e/ou tenha uma finalidade colectiva). É a satisfação de desejos e necessidades pessoais, é a forma de viver e desfrutar livremente do tempo livre que “(…) implica expressão livre e criativa do actor durante toda a actividade escolhida” (Puig e Trilla, 2004:46) de forma a contribuir para o aumento da auto-estima e do bem-estar.
As diferenças entre ócio e lazer não são tão claras, pois o lazer também pressupõe a ocupação dos tempos livres escolhendo e realizando actividades de livre vontade. Mas enquanto o lazer está mais associado a funções de entretenimento, diversão, ou até de repouso, o ócio procura atingir um bem maior, de pura libertação do corpo e da mente, de realização pessoal não tanto ligado ao social (como o lazer) mas mais relacionado com o modo de vida de cada indivíduo e o prazer decorrente das experiências vivenciadas. (Aquino e Martins, 2007). À realização de actividades de lazer poderá estar associado o prazer da experiência ociosa. A diferenciação entre lazer e ócio é muito ténue prendendo-se mais com o verdadeiro sentido da experiência que obtemos a partir de cada um deles. Podemos afirmar que o lazer está mais relacionado com a tarefa em si e o ócio mais associado ao prazer e à satisfação decorrentes da realização dessa mesma tarefa. É através do tempo dedicado ao ócio que o indivíduo consegue desenvolver um restabelecimento psicológico e um equilíbrio físico, mental e emocional, aquilo a que normalmente nos referimos no dia-a-dia por “recarregar baterias”.
Em relação ao tempo livre, é um tempo durante o qual não existe qualquer ocupação, actividade ou tarefa; é uma determinada quantidade de tempo desprovida de qualquer obrigação em que o indivíduo pode decidir livremente o que pretende fazer. É através do tempo livre que se realizam actividades de ócio e de lazer. Sem disponibilidade de tempo, tais actividades não se poderiam realizar. O tempo livre permite às pessoas serem livres e autónomas, decidirem o que pretendem e irão fazer, que actividades ou tarefas realizar. Tempo livre corresponde também a um tempo de não-trabalho (quando a pessoa termina a sua jornada diária laboral), mas o tempo de não-trabalho não pode todo ele ser considerado tempo livre. Muitas tarefas de não-trabalho requerem algum tipo de obrigação como, por exemplo, as deslocações de e para o trabalho (designadas de obrigações paraprofissionais), obrigações familiares, religiosas ou políticas (Puig e Trilla, 2004). A pessoa já não está no seu local de trabalho, mas está obrigada a realizar outras tarefas como as atrás descritas. Por este motivo, durante qualquer tipo de obrigação (imposta ou voluntária) não existe efectivamente um tempo considerado livre ou de disponibilidade pessoal.
Chega-se, então, à conclusão que embora diferentes, ócio, lazer e tempo livre se encontram todos eles intimamente relacionados uns com os outros, não apenas em termos de significação, mas também no que à realidade social, cultural, educacional, económica e pessoal diz respeito. É de uma importância vital para o equilíbrio da nossa sociedade que a educação comece a abranger de igual forma a formação para o trabalho e a formação para o ócio, uma vez que a vida é composta pelos dois, para que facilmente se encontre um ponto de equilíbrio e de bem-estar. A Pedagogia do Ócio e dos Tempos Livres irá, com certeza, continuar a estudar e a debruçar-se sobre a importância deste assunto que tanto se reflectiu ao longo dos tempos, se reflecte e continuará a reflectir-se nas nossas vidas e no nosso quotidiano.
Bibliografia:
Aquino, Cássio & Martins, José (2007), Ócio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho, Revista Mal-Estar e Subjetividade – Vol. VII – Nº 2 – p. 479-500 – Fortaleza.
Puig, Josep Mª & Trilla, Jaume (2004), A Pedagogia do Ócio, Porto Alegre: Artmed Editora.
bom eu acho muito legal.. mesmo
ResponderEliminarViva!
ResponderEliminarProcuro alguma informação para a uc Pedagogia do Ócio e Tempos Livres no âmbito da Licenciatura em Educação que frequento. Devo dizer que o artigo acima publicado dá e muito para alargar os meus horizontes acerca da temática "Ócio, Tempos Livres e Lazer".
Parabéns!
Obrigado, contribuiu muito !
ResponderEliminarBom texto! parabéns!
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