
A obra que vou analisar é o filme “Freedom Writers” (2007), traduzido para português com o título “Páginas de Liberdade”, realizado por Richard Lagravenese e produzido por Danny Devito nos Estúdios Paramount nos Estados Unidos da América. O filme é baseado em acontecimentos verídicos e conta a história da professora Erin Gruwell e a relação pedagógica que desenvolve com os seus alunos, acreditando sempre neles quando mais ninguém o fez.
O que esta professora conseguiu foi essencialmente fazer com que os seus alunos, jovens provenientes de bairros sociais degradados que cresceram no meio de violência e rivalidades raciais e culturais, aceitassem e compreendessem as suas diferenças. Estes jovens tinham já interiorizado os preconceitos das suas comunidades, não tendo sido fácil aceitarem as diferenças uns dos outros. Existia, no entanto, um outro tipo de preconceito: estes jovens eram estereotipados como incapazes, não aptos, anti-sociais, estavam inclusivamente integrados em salas de aula especiais para a sua “categoria”. Eram marginalizados pela sociedade e pela própria escola. Esta professora transmitiu-lhes conhecimentos teóricos e práticos, mas principalmente ajudou os seus alunos a ser. Ajudou a conhecer e a compreender o outro e, assim, conhecer-se também a si próprio. Não só a professora acreditou nos seus alunos, como estes passaram a acreditar em si próprios. Tal como afirmou Lao-Tse, citado por Patrício e Sebastião, 2004: « Quem conhece os outros é sábio. Quem se conhece a si próprio, é perfeito».
No filme, consegue perceber-se que a Prof.ª Erin Gruwell, papel interpretado por Hilary Swank, utilizou uma estratégia educativa de cooperação. Embora tenha sido bastante difícil implementar uma educação baseada na cooperação (e estou a referir-me à ficção porque a realidade deve ter sido, com toda a certeza, bastante mais complicada do que aquilo a que assistimos durante o filme) o objectivo pedagógico foi cumprido. «Ensinar é (…) ainda mais difícil do que aprender» (Martin Heidegger cit. Patrício & Sebastião, 2004:114). Para além destes jovens terem interiorizados valores democráticos como a solidariedade, a justiça social, a tolerância, a valorização das diferenças, etc., também, na maioria dos casos, foram os primeiros nas suas famílias a terminar o ensino secundário ou universitário. Estes jovens apenas viviam, mas não existiam. «Viver é um acontecimento biológico. Existir é um acontecimento metafísico e religioso» (Patrício & Sebastião, 2004:68). É importante perceber que estes jovens descobriram o caminho da realização plena, caminho esse que também vai ser mostrado às suas famílias, às suas comunidades, à própria sociedade. Estes jovens irão com certeza tornar o mundo um pouco melhor. «(…) gosto da vida, junto com a dignidade própria. Se não posso assegurá-las ambas, sacrifico a vida pela dignidade própria» (Mâncio cit. Patrício & Sebastião, 2004:79). É este o sentido da existência para o homem: conhecer e reger a sua existência segundo valores morais.
É também interessante verificar como a personagem Margaret Campbell, interpretada por Imelda Staunton, retrata a posição tradicionalista do ensino que ainda hoje está presente nas nossas escolas. Transmissão de conhecimentos, presunção de que todos aprendem da mesma maneira independentemente das características pessoais, das aptidões e capacidades, das dificuldades, … «A vantagem de um ensino nada atraente e da acção que não se impõe, raros são no mundo os que a alcançam» (Lao-Tse cit. Patrício & Sebastião, 2004:81).
Para além de ser, o homem tem de saber estar. Estar bem consigo próprio, estar bem com os outros, estar bem com o mundo. A acção é o que caracteriza o ser humano enquanto tal, o homem precisa de saber quem é, precisa de se conhecer. A acção é irreversível: o que está feito, feito está! Por isso, a acção também é perene. Tudo o que o homem faz afecta o cosmos, afecta a comunidade. Nada é desprovido de valor e de sentido. É desta forma que a acção da Prof.ª Erin Grunwell afectou o cosmos, com certeza inspirou muitas pessoas a utilizarem métodos e estratégias educativos e pedagógicos de tal forma que nos dias de hoje conhecemos a sua história (foi o meu caso) retratada num filme que percorreu todo o mundo. Afectou também a comunidade. Se não fosse ela, aqueles jovens provavelmente nunca teriam hipótese de conseguir saber ser e estar, de existir, de conhecer. Talvez outros tivessem oportunidade, mas não aqueles. Uma vez a acção efectuada torna-se irreversível. O seu efeito permanece enquanto perdurar a memória da acção, das suas consequências.
O professor deve dominar os conhecimentos necessários à formação do aluno. Embora durante um largo período de tempo se acreditasse que o domínio de determinados conhecimentos era o bastante para se ser professor, hoje sabe-se que não é assim. Um professor eficaz deve procurar interessar os alunos pela matéria que lecciona, mas acima de tudo o professor tem a responsabilidade de formar cidadãos activos e com discernimento (Delors, 1996). Ensinar e educar têm conotações diferentes. Ensinar é instruir, é dar a conhecer, é informar. Educar formar o ser humano e a sua personalidade, é ajudar o educando na procura do seu caminho e orientá-lo no seu percurso e prepará-lo para o mundo exterior. É de uma importância vital que o professor conheça os seus alunos, conheça as suas origens, conheça o seu ambiente socioeconómico, as suas capacidades, as suas aptidões, as suas dificuldades. O professor eficaz deve, então, ser dotado não só de sabedoria, de conhecimento empírico, didáctico, psicológico e social.
No filme, é notório que a Prof.ª Erin Grunwell (Hillary Swank) utiliza várias vezes o conhecimento empírico. Encontra vários exemplos históricos que os alunos não aprovam (como por exemplo o holocausto) nos quais os alunos se começam a rever. O ódio, o racismo, a violência, a frieza… Como se revêem neste tipo de sentimentos e acontecimentos os alunos começam a desenvolver a capacidade de comparar as duas realidades e compreender que se está a passar o mesmo com eles, embora de uma forma não tão significativa para o mundo, mas sim para as suas comunidades. Assim, começa a utilizar o conhecimento filosófico na formação dos seus alunos enquanto seres humanos. Incute neles, através de actividades cooperativas, o reconhecimento, a aceitação e a valorização das diferenças de cada um. Os alunos começam a formar novos valores. Sem dúvida nenhuma, que esta professora tem um conhecimento sapiencial capaz de orientar e ajudar os outros na procura de si próprios, desenvolve relações de união e de respeito entre os seus alunos e ela mesma, nunca desistindo embora enfrentando todas as contrariedades pessoais e profissionais que vão surgindo no seu dia-a-dia. O facto de ter uma série de empregos para proporcionar aos seus alunos tudo o que eles precisam para a sua realização plena, demonstra bem o seu altruísmo. Naturalmente, o conhecimento instintivo também está presente, quando por exemplo tenta por todos os meios continuar a leccionar os seus alunos até ao final do secundário. Não que não tenha confiança neles, mas quer protegê-los de uma educação tradicional, com pouco interesse e que acima de tudo marginaliza os jovens de meios desfavorecidos e de diferentes culturas. O conhecimento científico é também muito importante na formação dos jovens, proporcionando-lhes bases científico-tecnológicas para continuação dos estudos e integração profissional. Embora no filme este tipo de conhecimento não seja muito focado, está implícito.
O filme é espectacular e saber que se baseia numa história verídica é ainda mais fantástico. Fico a pensar como é magnífico haver pessoas no mundo capazes de lutar com palavras e acções de paz, contra tudo e contra todos, na defesa das suas convicções, não para se exibir, mas para ajudar o outro. «É assim que o Santo se conhece a si, mas não se exibe» (Lao-Tse cit. por Patrício & Sebastião, 2004:80).
Bibliografia:
Delors, Jacques. (1996). Educação Um Tesouro a Descobrir- Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI. São Paulo: Edições ASA/Cortez.
Patrício, Manuel & Sebastião, Luís Miguel (2004). Conhecimento do Mundo Social e da Vida – Passos para uma Pedagogia da Sageza. Lisboa: Universidade Aberta.
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